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Na Amazon o cliente vence, mas o funcionário não

Lucy Kellaway, Valor Economico, 31/8/15
 
Dias atrás, após um longo período de estupidez do mundo corporativo, três coisas surpreendentemente sensatas passaram pela tela de meu computador de uma só vez. Duas delas vieram de pequenas empresas, mas a terceira veio de uma das maiores do mundo - e ultimamente uma das menos populares -, a Amazon.

O primeiro exemplo me foi enviado por um leitor da África do Sul, que recentemente conseguiu um novo emprego e teve de concordar com o código de conduta da companhia. Nele está escrito: "FAÇA A COISA CERTA, NO MOMENTO CERTO, SEM TEMER OS RISCOS". E é só.

Embora a afirmação não seja específica, é um grande avanço sobre as listas intermináveis de coisas que não se deve fazer. A maioria dos códigos de conduta é tão longa que a única coisa inteligente que um funcionário pode fazer é concordar sem ler nada (desobedecendo assim o código antes mesmo de começar) e esquecer de tudo.

Uma sentença única e assustadora em letras maiúsculas é um avanço pelo fato de pelo menos passar a ideia geral de que transgredir não é uma opção.

O exemplo seguinte veio de um pequeno fundo de hedge australiano em busca de um novo funcionário. Em vez de despejar aquelas coisas sem sentido sobre trabalhadores proativos e que tenham certos conjuntos de habilidades, o fundo dizia que queria alguém "(a) muito inteligente, (b) interessado nos processos de investimentos, e (c) acima de tudo, curioso". O texto acrescentava: "O que realmente queremos é um detector de besteiras" - pelo qual especifica uma aptidão em matemática e ciências.

Ele termina com um alerta de que "como a organização é pequena, você inevitavelmente será uma parte nossa, assim como seremos parte de você. Há riscos para a carreira. Isso pode ser bom e pode ser ruim. Se você se sair bem e nós nos sairmos bem, será muito bom. Mas se uma dessas coisas não acontecer, essa poderá ser uma má escolha na carreira".

Isso é honesto, engraçado, preciso e útil. Quase me inscrevi. Se pelo menos eu fosse boa em ciências, poderia ter feito isso.

Os dois exemplos, da Machi.biz e da Bronte Capital, respectivamente, mostram como as grandes empresas
poderiam melhorar. Mesmo assim, temo que se uma dessas companhias ficar grande, acabará se esquecendo de como ser sensível. Tamanho significa conformidade e departamentos de RH, o que garante a eliminação do bom senso, da personalidade e da agilidade.

E então temos a Amazon, que recentemente se transformou em um exemplo de como uma grande organização pode ser sensata. Há dois anos descobrimos (graças a um artigo publicado pelo "Financial Times") que a companhia varejista é má com os trabalhadores de seus depósitos. Agora sabemos que ela também é dura com os funcionários da área administrativa. Mesmo assim, enquanto lia o mais recente artigo publicado pelo "The New York Times" e cliquei nos 14 princípios de conduta da companhia, em vez de ficar indignada, me vi elogiando o bom senso da Amazon.

O princípio número 9 é economizar, que nunca vi tratado desse jeito. É claro que os líderes precisam ser
econômicos, afinal não estão gastando o próprio dinheiro. Outro princípio diz: "Seja determinado, discorde e se empenhe". Também gosto disso. Na maior parte das empresas todo mundo pensa a mesma coisa (apesar da simulação de diversidade) e aqueles que não pensam assim, mantêm-se quietos.

O princípio que me deixou mais empolgada diz que os líderes "estão certos, muitas vezes". Para alguém não muito versado nas bobagens corporativas, isso pode parecer um pouco óbvio. Mas a maior parte das empresas caiu tanto de amores pela moda de "falhar rápido e com frequência", que elas começaram a agir como se estar errado fosse superior a estar certo.

Portanto, o que fazemos com o fato de que essa companhia tão sensata também é tão terrível para seus
funcionários? Tenho o palpite desagradável de que as duas coisas estão ligadas. A Amazon pode se dar ao luxo de ser honesta porque não está tentando fingir que é boazinha. Seu fundador, Jeff Bezos, nunca quis nada com coisas fofas: "Nossa cultura é amigável e intensa, mas na hora da verdade, preferimos ser intensos", disse ele certa vez.

O resto do mundo corporativo construiu um modelo de negócios que se apoia na noção dos trabalhadores felizes. Como isso é em parte uma mentira - todas as corporações precisam explorar um pouco seus trabalhadores para ter lucro -, elas ficam restritas ao que podem dizer. Daí a conversa fiada sobre paixão e diversão.

A lição da Amazon acaba com uma das maiores mentiras da administração. O modelo de stakeholders finge que você pode ter tudo: clientes, acionistas e funcionários podem todos se dar bem ao mesmo tempo.

A Amazon é uma regressão para o velho estilo de capitalismo, em que há uma troca. Quando li o artigo do "The New York Times", era tarde da noite e eu estava na cama comprando pela internet lâmpadas esquisitas e
parafusos, sabendo que eles chegariam, com um desconto, antes do almoço do dia seguinte.

Na Amazon, o cliente vence, mas o funcionário não. A companhia pode não ter escolhido a troca mais aceitável do ponto de vista moral. Mas ela escancarou este fato da vida econômica: quando alguns ganham, outros perdem.

Link original
http://www.valor.com.br/carreira/4201988/na-amazon-o-cliente-vence-mas-o-funcionario-nao
 

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