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Parece ser um motivo, mas é outro

Tudo é Óbvio, Duncan J. Watts, Editora Paz e Terra
 
Em muitos países, é comum que o Estado pergunte a seus cidadãos se eles desejam ser doadores de órgãos. A doação de órgãos é um desses tópicos que despertam fortes reações. Por um lado, é uma oportunidade de transformar a perda de uma pessoa na salvação de outra. Por outro, é mais do que um tanto perturbador fazer planos para seus órgãos que não envolvam você. Dessa forma, não é surpresa que as pessoas tomem decisões diferentes, nem que o número de doadores de órgãos varie consideravelmente de país para país. Entretanto, pode ser surpreendente a grande variação entre países.

Em um estudo realizado há alguns anos, dois psicólogos, Eric Johnson e Dan Goldstein, descobriram que o número de pessoas que consentiram em doar seus órgãos variava nos diferentes países europeus, indo desde 4,25% até 99,98%. O que é ainda mais notável é que essas diferenças não estavam espalhadas por todo o espectro, elas foram agrupadas em dois grupos distintos - um grupo com índices de doação de órgãos em apenas um dígito e outro com índices na casa dos noventa -, com quase nenhum meio-termo.

O que poderia explicar uma diferença tão grande? Essa foi a pergunta que fiz a uma turma de excelentes estudantes da Universidade da Columbia não muito tempo após a publicação desse estudo. Na verdade, o que pedi foi que eles considerassem dois países anônimos, A e B. No país A, cerca de 12% dos cidadãos concordavam em doar seus órgãos, enquanto no país B o percentual foi 99,9%. Então, o que eles achavam que era diferente nesses dois países que poderia influenciar a escolha de seus cidadãos? Como estudantes espertos e criativos, eles elaboraram muitas possibilidades.

Talvez um dos países fosse laico e o outro, extremamente religioso. Talvez um tivesse medicina mais avançada e, portanto, melhores índices de transplantes de órgãos bem-sucedidos do que o outro. Talvez o índice de mortes acidentais em um dos dois países fosse maior resultando em mais órgãos disponíveis. Ou talvez um dos países tivesse uma cultura mais socialista, enfatizando a importância da comunidade, enquanto o outro privilegiasse os direitos individuais.

Eram todas boas explicações. Mas então veio a surpresa. O país A era a Alemanha, e o país B era ... a Áustria. Meus pobres estudantes ficaram boquiabertos - O que diabos a Alemanha poderia ter de tão diferente em relação à Áustria? Mas eles não desistiram. Talvez houvesse alguma diferença nos sistemas educacionais ou legais que eles desconheciam.

Ou talvez algum evento ou campanha importante na Áustria tivesse estimulado a doação de órgãos. Será que tinha algo a ver com a Segunda Guerra Mundial? Ou talvez austríacos e alemães sejam mais diferentes do que parentam ser. Meus alunos não sabiam a razão uma diferença tão grande, mas tinham certeza de que era alguma coisa grande - diferenças grandes como essa não existem por acaso. Bem, não, mas podem existir diferenças como essa por razões que jamais esperaríamos. E, de tão criativos, meus alunos nunca chegaram a razão real, que na verdade é absurdamente simples: na Áustria, a menos que se decida pelo contrário, já se é um doador, enquanto na Alemanha é o contrário.

A diferença parece trivial - é apenas ter que enviar es formulário de alteração- , mas é suficiente para que o número de doadores pule de 12% para 99,9%. E o que era verdadeiro para Áustria e a Alemanha era verdadeiro em todas as partes da Europa - todos os países com altos níveis de doação de órgãos exigiam a deliberação negativa do doador, enquanto os países de baixos índices exigiam a decisão afirmativa.
 

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