O óbvio pode ser óbvio, mas não é fácil
 
The happiness advantage, Shawn Achor, Editora Saraiva, 2012 (O jeito Harvard de ser feliz)
 

Durante um dos primeiros treinamentos que con­duzi em Wall Street, um analista impaciente se levantou nos fundos da sala e gritou: "Shawn, sei que você é de Harvard e tudo, mas isso tudo não é uma enorme per­da de tempo? A psicologia positiva não é apenas uma questão de bom senso?".

Senti um nó no estômago. Eu ainda não tinha muita experiência no negócio de consultoria para saber que é comum ser publicamente contestado daquela maneira. Mesmo assim, respirei fundo e me empenhei ao máximo para tratar com ele frente a frente. Comecei explicando que a psicologia positiva se baseia em idéias de muitas fontes respeitadas, incluindo os filósofos da Grécia antiga, tradições religiosas con­sagradas e escritores e pensadores contemporâneos. Além disso, prossegui, os princípios e as teorias são testados e validados empiricamente.

Dessa forma, apesar de algumas das idéias defendidas pela psicologia positiva poderem muito bem ser ape­nas uma questão de bom senso, é a ciência por trás dela que faz essas idéias serem inigualáveis e valiosas. Mas aquele sujeito claramente não estava convencido. Ele vol­tou a se sentar com uma expressão presunçosa e eu passei para a próxima pergunta, tentando aceitar o fato de que simplesmente não é possível vencer todas as batalhas.

Foi só depois da sessão de treinamento, conversando com vários analistas no almoço, que percebi a importância daquele incidente. "Lembra daquele sujeito que se levantou durante o treinamento?"; um deles perguntou. Respondi que seria difícil esquecê-lo. Outro analista se inclinou para mim: "Aquele sujeito é a pessoa mais infe­liz aqui. É como se uma nuvem cinza pairasse sobre a cabeça dele o tempo todo. Não conseguimos colocá-lo em nenhuma equipe porque ele é simplesmente tóxico".

Aquele foi um momento decisivo para mim. Aquele sujeito tinha rejeitado tudo o que eu disse alegando se tratar de uma obviedade grande demais para ser digna de discussão e aparentemente ele não estava conseguindo colocar a mensagem em prática. Percebi que ele era a própria personificação de um dos maiores paradoxos do comportamento humano: bom senso comum não é ação comum.

Você se surpreenderia se eu lhe dissesse que cigarros não são uma grande fonte de vitamina C ? Ou que passar horas a fio assistindo a programas de reality TV não elevará acentuadamente o seu QI ? Provavelmente não. De forma similar, todos nós sabemos que deveríamos nos exercitar, dormir oito horas por dia, comer de maneira mais saudável e ser gentis com o próximo. Mas será que esse conhecimento facilita fazer essas coisas? É claro que não. Isso acontece porque, na vida, o conhecimento é apenas uma parte da batalha. Sem a ação, o conhecimento muitas vezes não faz diferença alguma.

Como disse Aristóteles, para sermos excelentes, não podemos simplesmente pensar com excelência ou nos sentir excelentes, precisamos agir com excelência. No entanto, a ação necessária para colocar em prática o que sabemos muitas vezes é parte mais difícil desse processo. É por isso que, apesar de os médicos conhecerem melhor do que qualquer outra pessoa a importância de se exercitar e manter uma boa dieta, 44% deles têm excesso de peso. E é também por isso que os gurus organizacionais muitas vezes são desorganizados, que os líderes religiosos podem ser blasfemos e que até alguns psicólogos positivos não são felizes o tempo todo. Eu trabalho com inúmeros profissionais de negócios que reclamam que toda segunda-feira precisam repetir as mesmas resoluções para deixar de procrasti­nar, para parar de fumar, não deixar seus emails se acumularem na caixa de entrada ou passar mais tempo com os filhos, mas toda sexta-feira eles se veem indagando como deixaram com que mais uma semana escapasse pelos seus dedos.

A verdade é que é difícil manter hábitos positivos, por mais razoáveis que eles possam parecer. Como a maioria das pessoas, eu travo a mesma batalha todo dia 1 de janeiro e, no dia 10 de janeiro, já estou de volta ao ponto em que comecei. Com efeito, o New York Times relatou que a impressionante proporção de 80% das pessoas não conseguem manter suas resoluções de Ano Novo. Mesmo quando nos sentimos comprometidos com a mudança positiva, pode parecer quase impossível mantê-la por um bom tempo. Com muita frequência nossas promessas não são cumpridas e a esteira ou bicicleta ergométrica de hoje se transforma em cabide de roupas amanhã. Se o nosso cérebro tem a capacidade de mudar, como sabemos ser o caso, por que é tão difícil mudar o nosso comportamento e como podemos facilitar essa tarefa?

 

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