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O poder das conversas

(sem info)
 
Tenho defendido a tese de que nada é mais efetivo para a aprendizagem, para o desenvolvimento humano e para a solução de conflitos, do que as conversas. Nossa capacidade de conversar faz com que novas possibilidades surjam e se equalizem as expectativas sobre as coisas entre os distintos observadores. Se levarmos a sério essa competência, veremos que nossas relações se tornarão
muito melhores e menos conflituosas. Nesse texto, vou continuar explorando esse juízo e apresentando sobre ele outros aspectos. Senão vejamos:

Já faz alguns anos que isso aconteceu. Lícia, nossa filha mais nova, estava com sete anos e, numa noite, ela me acordou e pediu para dormir comigo. O argumento dela era de que havia um monstro em seu quarto e ela estava com medo dele. Assim que ouvi seu pedido, fiz-lhe uma contraproposta - em vez de deixá-la dormir comigo, me propus a levá-la de volta a seu quarto e deitar-me com ela até que o monstro fosse embora. Ela aquiesceu e assim se fez.

Quando me deitei com ela, lhe perguntei como era o monstro, estimulando-a falar sobre o que temia. Ela descrevia o monstro e eu a escutava atentamente, fazendo-lhe perguntas para mostrar que estava interessado na história. A certa altura, lhe propus criar um nome para o nosso monstro. Ela gostou da ideia e depois de alguns exercício escolhemos Gluglu Atomico, para aquele ser importunador do sono infantil. Licia gostou do nome, achou-o divertido e deu boas gargalhadas quando o adotou. Logo após, adormeceu. Voltei para meu quarto e o Gluglu Atomico nunca mais a perturbou.

Desse episodio aprendi algumas lições:

Primeira – quando conversamos diminuímos o impacto que determinado assunto tem sobre nós. Ao compartilhar nossas conversas privadas com outros observadores, fazemos com que nossos pontos de vista sejam vistos a partir de outras perspectivas, o que nos leva a entender que o que estamos enxergando é apenas um ponto de vista e não algo absoluto. Compartilhar conversas privadas é manter uma dinâmica emocional aberta para o tema em pauta, de modo a potenciar outras interpretações do fenômeno e evitando assim a adoção de significados privados.

Segunda – ao dar nome as coisas transformamos monstros em personagens, e personagens são bem menos assustadores do que coisas que não conhecemos. Dar nome as coisas significa ser capaz de classifica-las e associá-las a outros padrões já conhecidos onde o impacto emocional se forma mais efetivo que imaginário.

Terceira – nossa percepção de realidade está condicionada ao estado emocional em que se encontram nossos relacionamentos. A solidão exerce sobre nós um forte poder potencializador do medo. Pessoas em estado de isolamento normalmente desenvolvem interpretações restritivas de suas possibilidades, não crêem que sejam capazes, se subestimam e tornam-se hipersensíveis a tudo.

Quarta – ao manter nossa visão de realidade como se fora a única verdade, julgamos que está em nós a solução de nossos conflitos. Isso é apenas parcialmente correto; e é aqui a quarta lição – minha aprendizagem, para ser plena, deve contar com as distinções de outros observadores. Sim, porque se há algo que não sei é porque está fora da minha região de conforto. Para aprender preciso ser capaz de absorver algo que está fora de mim. Ora, o caminho para tal, pode ser mais curto se entendo que as experiências dos outros me vale como referencial. Quando minha filha concorda em voltar comigo para seu quarto e, juntos, resolvermos o problema do monstro, ela está dizendo algumas coisas: não sei resolver sozinha, preciso de ajuda e assumo minha parte nessa tarefa.

Por fim a quinta lição – construa marcar memorativas da situação. Todas as vitórias devem ser celebradas, independente do tamanho. Celebrar é uma forma de declarar o fim de um ciclo. Nossa mente registra o fato e o coloca na categoria dos possíveis. Isso facilita muito quando a dificuldade aparecer novamente.
 

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