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O poder da quase-vitória

Palestra TED - Sarah Lewis - Abrace a quase-vitória
 
Link original = https://www.ted.com/talks/sarah_lewis_embrace_the_near_win?language=pt-br

Tenho tanta sorte de meu primeiro emprego ter sido trabalhar no Museu de Arte Moderna, numa exibição retrospectiva da pintora Elizabeth Murray. Aprendi muito com ela. Depois que o curador, Robert Storr, selecionou todas as pinturas do acervo de toda a vida da pintora, adorei ver as pinturas da década de 1970. Havia alguns temas e elementos que ressurgiriam mais tarde na vida dela. Lembro-me de perguntar a ela o que ela achava daquelas primeiras obras. Se não soubessem que eram dela, talvez não conseguissem descobrir de quem eram. Ela me contou que algumas não se encaixavam muito bem na forma como esperava que ficassem. Uma das obras, na verdade, destoava tanto de sua intenção, que ela a jogou no lixo em seu estúdio, e seu vizinho a havia pego por ter enxergado seu valor.

Naquele momento, minha visão sobre o sucesso e a criatividade mudou. Percebi que o sucesso é um momento, mas o que sempre celebramos é a criatividade e a maestria. Mas é isso mesmo: o que nos faz converter o sucesso em maestria? Venho me perguntando isso há muito tempo. Acho que surge quando começamos a valorizar a dádiva de uma "quase-vitória".

Comecei a entender isso quando, em um dia frio de maio, fui assistir a uma exibição de arqueiros universitários, todas mulheres, por ironia do destino, no extremo norte de Manhattan, no Complexo de Atletismo Baker, na Universidade Columbia. Eu queria ver o que chamam de paradoxo do arqueiro, a ideia de que, para conseguir atingir o alvo, você deve mirar em algo ligeiramente fora do alvo. Eu fiquei vendo o treinador levar as mulheres numa van cinza, e elas saíram um tanto distraídas. Uma tinha um sorvete pela metade em uma mão e flechas na outra com um arco amarelo. Elas passaram por mim e sorriram, mas me avaliaram enquanto iam para o gramado e conversavam entre si não com palavras mas com números, graus, eu imagino, posições de como elas planejariam acertar seu alvo.

Fiquei atrás de uma arqueira, enquanto o treinador ficou entre nós, talvez para avaliar quem talvez precisaria de ajuda, e observei-a, e eu não entendia como sequer uma delas acertaria o alvo dos 10 pontos. O centro, à distância padrão de 70 metros, parecia a ponta de um palito de fósforo a um braço de distância. E isso enquanto equilibrava 22 quilos a cada tiro. Ela primeiro acertou a linha dos sete pontos, depois a dos nove, e em seguida, duas vezes a dos 10, e a próxima arqueira nem sequer acertou o alvo. E eu vi que isso deu-lhe mais tenacidade, e ela persistiu por várias vezes, por três horas. Ao fim do treino, uma das arqueiras estava tão esgotada que se deitou no chão de braços abertos, olhando para o céu, tentando encontrar o que T.S. Eliot chamaria de "aquele lugar quieto num mundo agitado".

Isso é tão raro na cultura americana, há tão pouco de vocacional nisso, observar o que é a perseverança neste nível de exatidão, o que significa alinhar a sua postura por três horas a fim de acertar um alvo, buscar algum tipo de excelência nesta obscuridade. Mas eu fiquei porque percebi que estava testemunhando algo que é tão raro de se ver, aquela diferença entre sucesso e maestria.

Sucesso é acertar o centro do alvo, mas maestria é saber que isso não significa nada se você não conseguir acertar novamente. Entretanto, maestria não é exatamente o mesmo que excelência. Não é o mesmo que sucesso, o que eu vejo como um evento, um momento no tempo, e um rótulo que o mundo lhe confere. Maestria não é um compromisso com um objetivo mas sim com uma busca constante. O que nos leva a fazer isto, o que nos faz ir adiante é valorizar esta quase-vitória. Quantas vezes já definimos algo como clássico, uma obra-prima até, enquanto seu criador a considera inacabada, repleta de dificuldades e falhas, em outras palavras, uma quase-vitória? Elizabeth Murray me surpreendeu com a sua confissão sobre suas primeiras pinturas. O pintor Paul Cézanne tanto considerava suas obras incompletas que deliberadamente as deixava de lado com a intenção de terminá-las posteriormente, mas ao final da sua vida, o resultado foi que ele apenas assinou 10% de suas obras. Seu romance favorito era "A Obra-Prima Ignorada", de Honoré Balzac, e ele se sentia como o próprio protagonista. Franz Kafka via algo incompleto onde outros viam apenas trabalhos a elogiar, tanto que ele queria todos os seus diários, manuscritos, cartas e esboços queimados quando ele morresse. Seu amigo se recusou a honrar o pedido, e por isso, temos todos os trabalhos de Kafka hoje em dia: "Amerika", "O Processo" e "O Castelo", obra tão incompleta que chega a terminar no meio de uma frase.

A busca pela maestria, em outras palavras, é um "quase" que segue sempre adiante. "Senhor, garanta que eu deseje mais do que posso alcançar", implorou Michelangelo, como quem fala para aquele Deus na Capela Sistina e ele próprio fosse aquele Adão com seu dedo estendido não o bastante para tocar a mão de Deus.

A maestria está no buscar, não no chegar. Está em querer constantemente preencher aquela lacuna entre onde se está e onde se deseja estar. Maestria é se sacrificar pelo seu ofício e não por uma questão de elaborar a sua carreira. Quantos inventores e incontáveis empreendedores vivem esse fenômeno? Vemos isso até mesmo na vida do indomável explorador ártico Ben Saunders, que diz que seus triunfos não são meros resultados de um grande feito, mas a propulsão de uma sequência de quase-vitórias.

Nós prosperamos quando ficamos no nosso próprio limite. É uma sabedoria já entendida por Duke Ellington, que dizia que sua música favorita dentre seu repertório era sempre a próxima, sempre a que ele ainda estava por compor. Parte da razão pela qual a quase-vitória é inerente à maestria é porque, quanto maior nossa proficiência, mais claramente nós poderemos ver que não sabemos tanto quanto pensávamos saber. Chama-se efeito Dunning-Kruger. A Paris Review extraiu isso de James Baldwin quando lhe perguntaram: "O que você acha que aumenta com o conhecimento?" E ele disse: "Você descobre o quão pouco sabe."

O sucesso nos motiva, mas uma quase-vitória pode nos impulsionar em uma busca contínua. Um dos exemplos mais vívidos disso vem quando olhamos a diferença entre os medalhistas olímpicos de prata e os medalhistas de bronze após uma competição. Thomas Gilovich e sua equipe de Cornell estudaram essa diferença e descobriram que a frustração que os medalhistas de prata sentem comparados aos de bronze, que ficam normalmente mais felizes de escapar do quarto lugar sem nenhuma medalha, dá aos medalhistas de prata um foco nas próximas competições. Vemos isso até na indústria de jogos de azar, que já entendeu esse fenômeno da quase-vitória, e criou bilhetes de raspadinha que têm mais quase-vitórias do que a média e, assim, levou as pessoas a comprarem mais bilhetes, que eram chamados de "infartos" e eram vendidos em uma indústria de jogos de azar na Grã-Bretanha, na década de 70.

A razão pela qual a quase-vitória tem uma propulsão é porque ela muda nossa visão do cenário e coloca nossas metas, as quais nós tendemos a colocar mais distantes, em arredores mais próximos de onde estamos. Se eu lhes pedir para imaginarem um ótimo dia semana que vem, vocês iriam descrevê-lo em termos mais genéricos. Mas se eu pedir para descreverem um ótimo dia aqui no TED amanhã, vocês poderiam descrevê-lo com minúcias e certa clareza. E é isso que uma quase-vitória faz. Ela nos faz focar o que, agora, planejamos fazer para chegar àquela montanha à nossa frente. Foi Jackie Joyner-Kersee, que em 1984 não ganhou o ouro no heptatlo por um terço de segundo, e seu marido previu que isso lhe daria a tenacidade de que ela precisava para as competições seguintes. Em 1988, ela ganhou o ouro no heptatlo e definiu um recorde de 7.291 pontos, uma pontuação de que nenhum atleta se aproximou desde então.

Nós prosperamos não quando alcançamos tudo, mas quando ainda temos muito a fazer. Eu fico aqui pensando e imaginando sobre as diferentes formas que poderíamos fabricar uma quase-vitória aqui neste salão, como nossas vidas iriam encarar isso, porque eu acredito que, no fundo, nós sabemos disso. Sabemos que prosperamos quando ficamos no nosso próprio limite, e é por isso que o deliberadamente incompleto está embutido nos mitos da criação. Na cultura navajo, alguns artesãos e artesãs deliberadamente colocam imperfeições nos tecidos e cerâmicas. É o que é chamado de linha espiritual, uma falha deliberada no padrão para dar ao tecelão uma saída, mas também uma razão para continuar trabalhando. Mestres não são especialistas porque levam um assunto até o seu limite conceitual. São mestres porque perceberam que não existe um limite.

Ocorreu-me, enquanto pensava sobre isso, por que o treinador das arqueiras me disse ao final do treino, sem que as arqueiras o ouvissem, que ele e seus colegas nunca sentem que podem fazer o suficiente pela sua equipe, nunca sentem que existem técnicas de visualização e postura o suficiente para ajudá-las a superar estas quase-vitórias constantes. Não foi exatamente como uma reclamação, mas apenas uma maneira de me deixar saber, uma confissão delicada, para me lembrar que ele sabia que estava se doando em um caminho voraz e interminável que sempre requeria mais.

Nós construímos a partir de uma ideia inacabada, mesmo quando essa ideia é o nosso antigo eu. Essa é a dinâmica da maestria. Chegar perto do que você pensou que queria pode lhe ajudar a atingir mais do que você sequer sonhou que conseguiria. É o que eu imagino que Elizabeth Murray estava pensando quando a vi sorrindo, olhando para suas primeiras obras, um dia, naquelas galerias. Mesmo que criássemos utopias, eu acredito que ainda teríamos o incompleto. Completar é um objetivo, mas esperamos que nunca seja o fim.

Obrigada.
 

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