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Use o conceito do porco-espinho

Feitas para Vencer, Jim Collins, 2013, Editora HSM
 
Você é um porco-espinho ou uma raposa?

Em seu famoso ensaio, O Porco-espinho e a Raposa, Isaiah Berlin dividiu a humanidade em porcos-espinhos e raposas, inspirado numa antiga parábola grega. A raposa sabe muitas coisas, mas o porco-espinho sabe uma coisa muito importante. A raposa é um animal astuto, capaz de vislumbrar uma miríade de estratégias complexas para atacar de surpresa o porco-espinho. Todos os dias, a raposa fica cercando a toca do porco-espinho, à espera do momento oportuno para atacá-lo. Rápida, traiçoeira, bela, agitada e manhosa, a raposa parece ter tudo para vencer. O porco-espinho, por sua vez, é desajeitado, anda por aí balançando o corpo, vivendo sua vidinha simples, correndo atrás do almoço e cuidando da casa. A raposa aguarda, em silêncio calculado, no cruzamento do caminho.

O porco-espinho distraído, pensando na própria vida, cai direto no caminho da raposa. " Ahá, agora te peguei!", pensa a raposa. E salta, arremetendo contra o solo, movendo-se com grande rapidez. O pequeno porco-espinho, percebendo o perigo, olha e pensa: "E lá vamos nós de novo. Será que ela nunca vai aprender?" . Enrolando-se todo, como uma bola perfeita, o porco-espinho se transforma numa esfera de pontas afiadas, apontadas em todas as direções. A raposa, ao pular sobre a presa, vê a defesa do porco-espinho e interrompe o ataque. Recua para a floresta e começa a planejar uma nova linha de ataque. Todos os dias há uma nova versão dessa batalha entre o porco-espinho e a raposa e, apesar da grande astúcia dessa última, o porco-espinho sempre vence.

A partir dessa pequena parábola, Berlin fez uma adaptação e dividiu as pessoas em dois grupos básicos: as raposas e os porcos-espinhos. As raposas atacam em várias frentes de uma vez, e veem o mundo em toda sua complexidade. Elas se "espalham ou se dispersam e se movem em muitos níveis", afirma Berlin, e nunca integram seu pensamento num conceito geral ou visão unificadora. Os porcos-espinhos, por sua vez, simplificam um mundo complexo e o transformam numa única ideia organizadora, um princípio básico ou um conceito que unifica e orienta tudo. Não importa o grau de complexidade do mundo; um porco-espinho reduz todos os desafios e dilemas a simples - na verdade, quase simplistas - ideias de porco-espinho. Para um porco-espinho, tudo o que não se relaciona de alguma forma com suas ideias não tem relevância.

O professor Marvin Bressler, de Princeton, destacou o poder do porco-espinho em uma de nossas longas conversas: "Quer saber o que separa aqueles que causam mais impacto de todos os outros igualmente brilhantes? Os primeiros são porcos-espinhos" Freud e o inconsciente, Darwin e seleção natural das espécies, Marx e a luta de classes, Einstein e a relatividade, Adam Smith e a divisão do trabalho - todos eles eram porcos-espinhos. Pegaram um mundo complexo e o simplificaram. "Aqueles que deixam as maiores pegadas", afirmou Bressler, "têm sempre milhares de pessoas dizendo, atrás deles: Boa ideia, mas você foi longe demais!"

Para ser bem claro, os porcos-espinhos não são burros. Longe disso. Eles compreendem que a essência de um insight profundo é a simplicidade. Existe algo mais simples do que a fórmula e=mc2 de Einstein? Ou mais simples do que a ideia do inconsciente, composto de um id, um ego e um superego? Ou mais elegante do que a fábrica de alfinetes e a "mão invisível" de Adam Smith? Não, os porcos-espinhos não são simplórios; ao contrário, eles têm uma percepção aguçada que lhes permite enxergar através da complexidade e discriminar padrões subjacentes. Os porcos-espinhos veem o que é essencial - e ignoram o resto.

Mas o que é que essa conversa sobre porcos-espinhos e raposas tem a ver com empresas "feitas para vencer"? Simplesmente tudo.

Aqueles que construíram empresas "feitas para vencer" eram, em maior ou menor grau, porcos-espinhos. E usaram a sua natureza para rumar na direção daquilo que denominamos "conceito do porco-espinho" e aplicaram-no em suas empresas. Aqueles que lideraram as empresas do grupo de comparação direta tendiam a ser raposas e nunca contaram com a vantagem esclarecedora propiciada por um conceito do porco-espinho. Em vez disso, tornaram-se dispersos, imprecisos e inconsistentes.

Vejamos o caso da Walgreens versus a Eckerd. Lembre-se de como a Walgreens gerou retorno acumulado dos investimentos em ações, do final de 1975 até 2000, 15 vezes maior que os do mercado acionário geral, superando habilmente empresas do porte da GE, Merck, Coca-Cola e Intel. É um desempenho notável para uma empresa tão anônima (e, para alguns, até mesmo sem graça). Quando entrevistei Cork Walgreen, insisti para que ele se aprofundasse no assunto e nos ajudasse a entender aquele resultado extraordinário. Já no fim, exasperado, ele disse: "Olhe, não foi nada tão complicado assim! Logo que compreendemos o conceito, bastou seguirmos em frente".

E que conceito é esse? Só este: ter as melhores farmácias com serviços de conveniência e elevado lucro para cada visita de cliente. É isso. Essa foi a estratégia revolucionária que a Walgreens adotou para superar a Intel, a GE, a Coca-Cola e a Merck.

No clássico estilo do porco-espinho, a Walgreens tomou esse conceito simples e o implementou com uma consistência obsessiva. Embarcou num programa sistemático de substituição de todos os pontos fora de mão por lojas em lugares mais convenientes - de preferência em esquinas, para que o cliente pudesse entrar e sair facilmente em qualquer direção. Se surgisse um excelente ponto de esquina a apenas meia quadra de uma lucrativa e bem localizada loja da Walgreens, a empresa fechava a loja boa (mesmo tendo de pagar até USS 1 milhão para romper o contrato de locação) para abrir uma loja excelente na esquina. A Walgreens foi pioneira em farmácias drive-thru, viu que os clientes gostaram da ideia e inaugurou centenas delas. Nas áreas urbanas, a Walgreens montou suas lojas bem junto umas das outras, partindo do princípio de que ninguém deveria ter de andar mais do que algumas quadras para encontrar uma Walgreens.

No centro de São Francisco, por exemplo, a Walgreens abriu nove lojas num raio de um quilômetro e meio. Nove lojas! Se você observar mais atentamente, verá que as lojas da Walgreens estão tão coladas, em algumas cidades, quanto as cafeterias Starbucks, de Seattle. A Walgreens, então, atrelou seu conceito de conveniência a uma simples ideia econômica: lucro a cada visita de cliente. A estreita proximidade das lojas (nove lojas em um quilômetro e meio!) proporciona economias locais de escala, o que gera caixa para abrir mais lojas bem próximas umas das outras - e isso, por sua vez, atrai mais clientes. Ao incluir serviços de elevada margem, como revelação de filmes em uma hora, a Walgreens aumentou seu lucro por visita de cliente.

Com a ampliação dos serviços de conveniência, o número de visitas de clientes também aumentou, o que, multiplicado pelo maior lucro por visita de cliente, injetou ainda mais caixa no sistema para que empresa pudesse abrir ainda mais lojas. Uma loja atrás da outra, quarteirão por quarteirão, cidade por cidade e região por região, a Walgreens tornou-se cada vez mais um porco-espinho, graças a essa ideia incrivelmente simples.

Num mundo dominado pelos criadores de modismos em administração, por visionários brilhantes, futurólogos grandiloquentes, industriais do medo, gurus motivacionais e muitos outros mais, é uma satisfação ver uma empresa ter sucesso de forma tão estupenda partindo de um conceito tão simples posto em prática com excelência e imaginação. O que poderia ser mais óbvio e simples do que tomar-se a melhor farmácia do mundo com serviços de conveniência e aumentar cada vez mais o lucro por visita de cliente?

Mas, se é tudo assim tão óbvio e simples, como a Eckerd não viu isso? Enquanto a Walgreens se ateve exclusivamente às cidades onde podia concretizar o conceito de conveniência/ proximidade, não encontramos indícios, na Eckerd, de um conceito de crescimento com coerência semelhante. Negociantes até a alma, os executivos da Eckerd avançavam compulsivamente nas oportunidades de adquirir montes de lojas - 42 unidades aqui, 36 ali - de estilo heterogêneo, sem um tema unificador óbvio.

Enquanto os executivos da Walgreens entenderam que o crescimento lucrativo viria com a supressão de tudo aquilo que não estivesse dentro do conceito do porco-espinho, os executivos da Eckerd perdiam o rumo na busca de crescer por crescer. No início da década de 198O, justamente quando a Walgreens radicalizava na implementação de seu conceito de farmácia com serviços de conveniência, a Eckerd entrou de cabeça no mercado de vídeos domésticos, ao comprar a American Home ideo Corporation. Em 1981, o CEO da Eckerd afirma a à revista Forbes: "Alguns acham que, quanto mais puristas formos, melhores seremos. Mas eu quero crescer, e o setor de vídeos doméstico mal começou - ao contrário de, digamos, as redes de farmácia".

A incursão da Eckerd no setor de vídeos domésticos gerou um prejuízo de US$ 31 milhões, antes de o negócio ser vendido à Tandy, que cantou vitória por tê-lo adquirido por um preço US$ 72 milhões abaixo de seu valor contábil, o mesmo ano em que a Eckerd adquiriu a American Home Video, Walgreens e Eckerd tinham receitas virtualmente idênticas (US$ 1,7 bilhão). Dez anos depois, a Walgreens havia crescido a ponto de sua receita ser mais de duas vezes maior que a da Eckerd e acumulava lucros líquidos superiores aos da Eckerd em US$ 1 bilhão, ao longo da década. Vinte anos depois, a Walgreens continuava forte, despontando como uma das transformações mais sólidas de nosso estudo. Nesse ínterim, a Eckerd deixou de existir como empresa independente.
 

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